segunda-feira, 29 de maio de 2017

O DESAFIO DE RECRESPAR: MEU CABELO, NOSSOS DESAFIOS E A ANCESTRALIDADE PRESENTE NOS FIOS




O Desafio de Recrespar: Meu Cabelo, Nossos Desafios e a Ancestralidade Presente nos fios
                                                                                                       
                                                                      Por: Edna Balbina dos Anjos dos Santos[i]

“Ela puxava e sacudia minha cabeça. Que ódio que eu tinha daquela mata que ela dizia que era de cazuzinha, ela também sentia o mesmo ódio”!

Hoje, durante a chuva das onze horas, repensava meu processo de alisamento capilar e meu processo de desalisamento. É esse o termo. Desalisamento. Foi quando comecei a naturalizar meus fios ou renaturalizar da forma que acredito ser. Assim, lembrei também do trabalho feito pela professora Angela Figueiredo[1], com artigos ricos como o da professora Vilma Reis[2], que li já há algum tempo e diferente da avó da professora Vilma que baixou decreto onde na casa dela mulher nenhuma alisava o cabelo, o decreto por cá era outro, bem severo que para as normas do tempo e do espaço nós acatávamos ansiosas: quando estiver maiorzinha já dar para passar ferro nesse cabelo para amansar esta mata. O trabalho de alisamento com ferro quente era feito por tias e primas mais velhas, nunca por minha mãe, ela empurrava o problema para as companheiras e a técnica era desenvolvida na cozinha das casas ao pé do fogão de lenha, para mim sempre foi desagradável por ser um trabalho feito por mulheres mais velhas e eu nunca poder contribuir com as conversas, eu era criança.
Em muitos destes plantões de alisamento mãe estava presente dando suas gargalhadas, amarrando a prosa e caracterizando meu pobre cabelo duro: O cabelo da menina é ronceiro, é uma mata gente! Era rotineiramente a fala de mãe que se refazia variadas vezes por minhas tias, minhas primas, avós e vizinhas. Até ficar “maiorzinha”, passei pelo maldito processo de colocar toalha na cabeça e sacudir imitando cabelos longos daqueles que a gente ver na TV. Levei muito tapa no cangote e pentadas para me posicionar no momento de puxa-desembaraça os nós do cabelo “duro”. Lembro-me de uma cena muito forte em um destes dias de luta quando mãe lavava meu cabelo e ao mesmo tempo me dava banho dentro de uma bacia, ela colocava a bacia encima de um banquinho para a altura se assemelhar à dela, por instante teve que se afastar para pegar algo e eu fiquei sozinha e me desequilibrei caindo com a bacia d’água, doeu, chorei, mas para ela não tinha alivio foi dura comigo como em todas as vezes que precisava cuidar do meu cabelo, para ela aquele cabelo era um estorvo, ele era culpado de tudo porque se não fosse ruim ela não estaria tendo tanto trabalho. E para mim também. Quando na emergência destes acontecidos, eu com meus cinco ou nove anos, não refletia sobre a condição do meu cabelo, sabia apenas que ele era “ruim e duro”.
Alisei! Foi como todas as outras primeiras vezes, tanta alegria em ter cabelos lisos, de inicio era com ferro, depois com produtos químicos de diversas marcas conforme o cabelo não se desenvolvia era substituído o método ou o produto, “está fraco”, “dar escova para ficar mais arrumado”, “tu vai ir com esse cabelo assim? “caiu”. No processo de alisamento tive muitxs cabeleireirxs, para mim, os momentos que vivi com minhas primas quando elas alisavam meu cabelo não tem preço, era um momento de por em dias aqueles assuntos que as mães não poderiam sonhar que existiam, repensando agora, desenvolvíamos a mesma pratica das mães e das tias quando éramos crianças e elas conversavam coisas que para nós eram bobas. Nós éramos uma só carne e meu cabelo gostava delas, o tempo que minhas primas alisavam foi à época em que ele mais se comportou como o cabelo liso e macio desejado por mãe desde a minha infância.  
            Nunca as tranças, nem a naturalidade eram ideais para beleza e eu também acreditava em tudo isto. Sem resultado de crescimento depois de muitos anos de alisamento, resolvi por usar implante e foi aquele auê, todas as pessoas achavam lindo era muito cabelo e eu me tornei uma verdadeira “morena”, aquele tipo bem vista pelas amigas, desejada por muitos homens e feliz por ser isto que via. Como eu gostava de ter cabelos longos! Isso já foi na casa dos 20, quando já tinha meu próprio dinheiro para comprar meus fios.
 Durou muito tempo da minha vida minha fuga da crespandade herdada dos meus ancestrais. Que triste não ter sido por mais tempo aquela menina de cabelo crespo com tranças da forma que eu era quando não podia ainda alisar, que dor saber que fui alisada por tantos anos sobre a pressão do racismo de não aceitar nossos fios rebeldes, dói lembrar que a agressividade da minha mãe ao lavar, desembaraçar e trançar meu cabelo era um pensamento sistematicamente organizado contra nosso reconhecimento enquanto povo de cabeleira crespa. Mas enfim, já quase aos trinta, quando a ancestralidade resolveu ocupar seu lugar na minha vida iniciei o processo de reavivamento do cabelo, meu Deus! Como era estranho está de frente ao espelho e ver meu cabelo criando aquela raiz grossa, enrolada. Era o “cuminho” denominado na infância por todas as pessoas próximas, deixei o implante de lado e usei tranças de kanekalon por bom tempo para aguardar o crescimento dos fios.
Em um dia diferente de todos os outros resolvi tirar as tranças, cortar o cabelo alisado e apodrecido que ainda me restava e enfim voltar a ter como propriedade meu cabelo, minha herança mais linda, fina e difícil de assumir assim como minha pele, meu nariz, a cor das unhas e genealogia, pois em momentos que não este, ser quem sou me pesava diferente. Na verdade, foi ai que tudo iniciou na minha vida de mulher solteira negra quilombola. Na emergência que cortei o cabelo minha avó chegou à minha casa e no susto que teve por ver meu novo estado capilar ela não hesitou em pegar minha orelha e torcer, já quase aos trinta nunca tinha passado por isso com minha avó e agora estava ela ali, me exemplando pelo erro que fiz, por ter transformado meu cabelo naquilo.
Minha avó é só o exemplo de tantas retaliações que sofri desde que renaturalizei meu cabelo, frequentemente frases do tipo “era mais bonito antes”, “por que cortou?”, “vai dar beleza natural?”, “o que tu fez neste cabelo?” “caiu foi?”, e toda vez que ia sair na rua antes me olhava no espelho, pensava nas minhas razões para assumir meus fios reais e como reagiria diante da não aceitação social a respeito da imagem que assumia como verdadeira para protagonizar minha existência.
Via ali uma provocação às opiniões que chegavam até a mim e comecei a dizer que aquele era o meu real cabelo, que eu o herdei do meu avô e varias explicações para poder em paz carregar meu próprio cabelo. Tive que lidar com a nova situação porque já não era vista como nada próximo ao ideal de beleza, era só mais uma preta e não mais uma preta chamada de morena, foi difícil aceitar porque sabia que era resultado da minha crespandade, estava incorrendo na situação de ser uma preta não desejada nem apenas para relações casuais e apesar disto não ser tudo, relacionamentos afetivos é também importante para nós.
É muito engraçado como a leitura dos nossos corpos é feita de maneiras diferentes dependendo muito do lugar em que a gente está ocupando, no espaço acadêmico meu cabelo era motivo de elogios entre meus colegas e companheiros da militância e da sala de aula e até para alguns universitários que nem faziam parte do meu circulo de vivências. Dentro da minha comunidade negra, onde todas as pessoas tem o cabelo igual ao meu, basta não alisarem para perceberem, já era algo extremamente fora do comum, criou rumores, era meu cabelo duro. Outra questão que falo com muito cuidado para não pecar é a reação que percebi no meu ambiente de trabalho, por está em contato com muitas pessoas refletia sobre a forma como me olhavam e como se referiam ao meu cabelo e isso até hoje, portanto, hoje já sei lidar com a questão. O que quero enfatizar é a necessidade de construção identitária que devemos carregar em nosso interior para assumir nosso crespo natural, caso contrario tudo é modismo, as pessoas aceitam um cabelo tratado por empresas de beleza que seja posto no comércio como natural, mas desnaturalizam nossa verdadeira identidade capilar. Penso e digo como foi difícil encarar aqueles dias iniciais onde todos do meu convívio comunitário enxergaram como estranha minha verdadeira imagem.
O que há de verdadeiro, de amor, de apaixonante em todo processo discutido neste texto é a fortaleza que meu cabelo traz à minha vida. Toda vez que toso, que lavo, que penteio, que alguém trança me sinto mais forte, tive medo no inicio, foi como que assumir minha cabeleira “mata de cazuzinha” significasse cometer um crime nos espaços em que frequentava, pensava muito nas reações e de fato tive que encarar muitas objeções, muitas mesmo. Sinto que ter cabelo “duro” interfira nas oportunidades de flerte, sinto que contribua para a decisão do segurança da loja me seguir quando adentro o espaço e ainda colabore para que a mocinha preta cabelo “ruim” não conquiste vaga no emprego. Mas, meu cabelo é algo além do que posso definir aqui nestas linhas, não é palpável, é bem mais do que veem em minha imagem. É a herança mais viva e real deixada pelos meus ancestrais e que realmente consegue fazer minha cabeça. É minha forma mais concreta de afirmar quem sou, de onde venho e em que acredito, na verdade meu cabelo fala mais que minha voz, pois não treme quando se posiciono entre desconhecidos, ele simplesmente segue reto, sem balancear e sem desejo de se esconder, assim como, os meus que já partiram fisicamente mas que não me deixam. Meu cabelo é ancestralidade!

Referência
Figueiredo, Angela; Cruz, Cintia. Beleza Negra Representações sobre o cabelo, o corpo e a identidade das mulheres negras



[1] Possui graduação em antropologia pela Universidade Federal da Bahia (1994), mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (1998) , doutorado em Sociologia pela Sociedade Brasileira de Instrução - SBI/IUPERJ (2003) e Pós-doutorado no Carter Woodson Institute (UVA-EUA/2006). Atualmente é professora adjunta da UFRB , professorada associada ao Programa de Pós-graduação em Estudos Étnicos e Africanos (Pós-Afro/UFBA) e coordena o curso Internacional Fábrica de Idéias.
[2] Socióloga, Ativista do Movimento de Mulheres Negras, Ouvidora Geral na empresa Defensoria Publica do Estado da Bahia, Coordenadora do Programa de Direitos Humanos na empresa Ceafro-CEAO/UFBA. Professora na empresa Uneb - Universidade do Estado da Bahia.


[i] Graduada em Serviço Social, graduanda em Ciências Sociais, militante do Núcleo de Negras e Negros da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB. Militante do coletivo dos quilombolas da UFRB.



quinta-feira, 18 de maio de 2017

EDUCAÇÃO COMO CASO DE POLÍCIA




EDUCAÇÃO COMO CASO DE POLÍCIA

Emily Nascimento Almeida[i]
Rosimery Soares Loiola[ii]  

Resumo
Esse trabalho tem como objetivo analisar a intervenção da polícia na educação dos negros no Brasil em detrimento de uma política educacional representativa para os negros. Tal analise, deu-se por meio do estudo das relações sócio - racial histórica, em que transitamos da era colonial, abolicionista e a atual situação social que se encontram os negros majoritariamente. Utilizamos como aporte teórico para o desenvolvimento deste artigo, autores que dissertaram sobre o período escravocrata e abolicionista no Brasil, assim como, os que discorrem sobre o Estado Penal e Política Educacional. Através deste trabalho, pode-se observar que desde o período abolicionista, até as principais políticas voltadas aos negros foram/são de controle e criminalização.

Palavras-chave: Educação; Estado Penal; Negros; Criminalização.

1. Introdução

Uma das características marcantes das periferias brasileira é a forte presença do ostensivo policial, com o objetivo de coagir e reprimir os moradores, a fim de garantir a “ordem”. Observa-se através dos estudos feitos para o desenvolvimento deste trabalho, que tais espaços são ocupados majoritariamente por pessoas negras, sendo, portanto, reflexo de um passado de exploração, e um presente exclusão (MOURA, 1988). Desta forma, tais espaços ocupados pela população negra, tal como, seu modo de vida são segmentados e estigmatizados. No entanto, através da ideia do Mito da Democracia tenta-se neutralizar as desigualdades sócias - raciais existente no Brasil, servindo assim aos interesses das elites (MOURA, 1988). Nota-se, a partir da elaboração deste artigo que a lógica penal é historicamente uma das principais políticas que são orientadas aos negros, com objetivos claros de controle.  
Os negros que em algum momento da história Brasileira foram proibidos de estudar, como em 1838, segundo Moura (1988). O que refletiu na condição de subalternização que se encontram. A educação ainda no século XXI tem sido espaço de intervenção penal do Estado, através da inserção de policiais nas escolas, principalmente das periferias urbanas, como educadores e mediadores de conflitos. A contradição nessa interação está no próprio histórico de atuação das forças militares, que desde a era escravocrata visam garantir o domínio europeu sobre os negros vindo compulsoriamente da África para serem escravizados no Brasil (BATISTA, 2003). Sendo assim, o objetivo permanece de manutenção da ordem burguesa, através da disseminação de valores dominantes, repressão e controle.
As escolas das periferias, desta forma, é vista pelo Estado como um espaço onde se faz necessário medidas de segurança pública, antes mesmo das políticas educacionais e sociais, como aponta Castro (2013). Desta forma, analisaremos brevemente sobre os desafios para efetivação da lei 10.639/2003, se aplicada, poderá ser um importante instrumento de reflexão sobre a égide estruturalmente racista que os negros estão inseridos, inclusive do porque do direcionamento quase exclusivo das políticas penais.
Este trabalho, portanto, tem como objetivo sinalizar sobre a implementação de políticas penais, em detrimento de políticas públicas, como forma de controle e vigilância do comportamento e do modo de vida negra.

2. Trajetória da política de educação para o povo negro no Brasil

Segundo Nascimento (1980), a hegemonia colonizadora se expande norteada pelo eurocentrismo, que submete territórios, etnias e povos ao modelo ocidental de acumulação do capital, sob a justificativa da hierarquia das raças. Apesar de possuírem posicionamentos paradoxais para sociedade ocidental, o cristianismo e a ciência contribuíram igualmente para a consolidação do pensamento de evolução das raças, dentro do qual a Europa se encontra inserida no estado superior de evolução humana. Sob esse assentimento estrutural, o capitalismo firma suas bases nos moldes mais primitivos, no que se refere à dominação dos Continentes Americanos e Africano, através dos mecanismos de desumanização das raças indígena e negra.

O que era ser humano foi reificado nas terras do capitalismo, ou nativizado em sua própria pátria de origem, pelos interesses e abusos do racismo colonial, primo gêmeo do imperialismo europeu. (NASCIMENTO, 1980, p.42)

Desde o século XV, Portugal matinha relações comerciais com diversos povos da Costa Atlântica da África, negociando todo tipo de produtos, além de pessoas africanas, para serem exploradas através do trabalho escravo. O tráfico de africanos, os quais foram trazidos para serem escravizados na colônia brasileira, durou 500 anos, formando um contingente negro diaspórico de africanos. Destituídos de qualquer tipo de humanidade pelo regime escravocrata, os negros africanos e descendentes travaram histórias de lutas e resistência ao longo de todo período escravocrata - e após, permanecendo a lutar até os dias atuais.

Neste mundo economicamente fechado, durante o Brasil-Colônia somente quem trabalhava era o negro escravo. O fausto dessa economia, que permitia aos senhores importarem seda e vinhos da França e o seu comportamento de verdadeiros nababos, tinha como único suporte o trabalho da escravaria, que vivia sob as formas mais violentas de controle social, um clima de terrorismo permanente, ou se rebelava e fugia para as matas, organizando quilombos, onde reencontrava a sua condição humana. (MOURA, 1988, p.21) 

Os negros foram destituídos de todos os seus direitos como ser humano, e assim no que se refere a educação não foi diferente, por meio do Decreto-lei 1.331-A, em 1954, o negro era oficialmente proibido de frequentar as escolas. Porém, segundo Moura (1988) antes mesmo da institucionalização da proibição de acesso às escolas, os negros que
demonstrassem o mínimo de conhecimento acerca de leitura ou escrita eram severamente punidos.

Art. 69. Não serão admitidos á matricula, nem poderão frequentar as escolas:
§ 1º Os meninos que padecerem moléstias contagiosas.
§ 2º Os que não tiverem sido vacinados.
§ 3º Os escravos. ( CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1854, s/n)

Em decorrência da supracitada vedação legal, os negros não puderam frequentar as escolas. Uma vez também que o português era uma língua estrangeira para a maioria dos africanos que, mesmo tendo aprendido a falá-la, não sabiam escrevê-la (Nascimento, 1980). Esses fatores fizeram com que formassem um ciclo vicioso de analfabetismo, fator este que geraria gravíssimas consequências após a Abolição, e graves reflexos até os dias atuais.
Há um dito popular que diz que “Educação é Poder”, sendo assim, proibir o acesso dos negros a escola foi mais uma estratégia de controle utilizada pela classe dominante branca. De acordo com Moura (1988) o decreto em 1854 no qual proibia os negros de frequentarem escolas públicas foi uma das estratégias de imobilismo social contra os negros. Devido à baixa qualificação que tinham e a concorrência com o imigrante europeu que formavam barreiras para sua inserção no mercado de trabalho. Os poucos que se inseriam no mercado de trabalho ocupavam os ofícios braçais, enquanto os brancos, os trabalhos intelectuais, o que Azevedo (1997) chamou de divisão racial do trabalho.
O povo negro, em consonância com Moura (1988), não eram tratados com seres humanos, o que justificava uma suposta inferioridade racial dos negros. Tais pressupostos segundo o autor eram tidos como normal e aceito pela Igreja Católica:

Não havia diferença entre o tratamento que se dava a uma besta e o que se dispensava a um negro escravo. Mas essa legislação repressora, escravista e despótica por isto mesmo, era aceita como normal e cristã, contando que os escravos, no memento cero, fossem batizados pelos seus senhores. (MOURA, 1988, p. 96)

A política de analfabetismo, segundo Moura (1988) foi presente em outros anos, como no Estado Novo em 1945, aonde Eurico Gaspar Dutra, promulgou uma norma que permitisse apenas entradas de brancos da Elite nas Escolas Preparatórias de Cadetes. “Democratizando” o acesso a essas escolas, de acordo com o autor, somente quando o Brasil entrou em guerra contra a Alemanha, pois seria necessário o uso da mão de obra
dos negros, mulatos, judeus e filhos de operários, que até então eram proibidos de frequenta tal espaço.
Assim, os negros analfabetos foram induzidos a formar uma grande massa sobrante, lembrando que historicamente eles representam o maior contingente populacional no território brasileiro. Ou seja, a exclusão do negro na política de educação impossibilitou sua inserção em qualquer função qualificada, impedido até mesmo de trabalhar em fábricas, obrigando-os a buscarem o mercado informal, o qual não permitia acesso a direitos básicos, como a serviços públicos de saúde e de previdência. Destacando que até a Constituição de 1988, o acesso aos direitos sociais era exclusivo a quem possuía vinculo formal na carteira de trabalho.

"Em um país como o Brasil, com as tradições político-econômicas e socioculturais delineadas anteriormente, e que apenas a partir da Constituição de 1988 passa a ter em perspectiva a construção de um padrão público universal de proteção social, coloca-se um quadro de grande complexidade, aridez e hostilidade, para a implementação dos direitos sociais, conforme estabelecido no artigo 6º da Constituição Federal. Esta institui como direitos a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência social." (BOSCHETTI, 2011, p. 156)


3. A dominação racial através da constituição do Estado penal

Um breve histórico do Estado Penal no Brasil, aponta que a polícia e o judiciário foram coniventes com o tráfico de africanos, participando ativamente do comércio ilegal, segundo Moura (1988). De acordo com o autor, mesmo depois de 1830 com o tráfico de escravos considerado ilícito, a Marinha que tinha função de fiscalizar e reprimir o comércio de africanos fazia vistas grossas, permitindo que os negócios continuassem, sendo, portanto, um dos agentes para prolongação da escravidão de africanos no Brasil. Os negros então tiveram contra si todo o aparelho de dominação do Estado:

O negro que aqui chegava coercitivamente na qualidade de semovente tinha contra si todo o peso da ordenação jurídica e militar do sistema, e, com isto, todo o peso da estrutura de dominação e operatividade do Estado. (MOURA, 1988, p. 21-22)


Azevedo (1987), em “Onda Negra Medo Branco” disserta sobre a questão abolicionista no Brasil, suas analises apontam sobre o grande contingente populacional negro fruto do tráfico de africanos no país. Ainda de acordo com a autora, a presença expressiva de
africanos e afrodescendentes, escravizados e recém-libertos, sem que houvesse um rígido controle sobre essa relação, propiciavam organizações contrárias a ordem pública e privada, como as revoltas contra os senhores. Tais mobilizações podiam colocar em risco a hegemonia do poder branco, como afirma:

É fácil imaginar como estes ex- senhores e suas famílias se sentiam ameaçados por aquelas levas de negros que vagavam livremente pelo campo fora de qualquer controle institucional.  Pela primeira vez na história da escravidão na província pressentia-se a aproximação de um momento de acerto contas e nisto os brancos poderiam levar a pior, já que as forças policiais existentes dificilmente conseguiram fazer frente a um situação de ruptura institucional completa.(AZEVEDO, 1987, p. 205)


Um grande amortecedor desses conflitos, foi sem sombra de dúvida a política de branqueamento da população (MOURA, 1988), via incentivo da imigração europeia que culminou na propagação do “mito da democracia racial”[1]. No entanto Moura (1988), afirma que a ideia de “democracia racial” surge no sentido de conservar e preservar valores discriminatórios do dominador. Neste sentido, os aparelhos repressores do Estado também precisam se aperfeiçoar para manter o controle da população negra. De acordo com Azevedo (1987). A polícia que em qualquer situação de conflito agiria de modo a reprimir as revoltas dos negros, precisou em alguns momentos mudar sua postura, atuando mediação de conflitos, haja vista, o reconhecimento do Estado que o enfrentamento aos africanos e afrodescendentes rebeldes poderia resultar em saldos negativos, colocando em choque o poder hegemônico do homem branco.

Em outros tempos, certamente a polícia não hesitaria em juntar-se aos proprietários para atacar tamanha ousadia. Porém, o momento era delicado e a policia devia zelar acima de tudo pela manutenção da ordem pública, cada vez mais ameaçada por uma guerra aberta entre os negros e brancos e cujos contornos já delineavam de forma bastante sangrenta. (AZEVEDO, 1987, p. 212) 

Á policia, conforme exposto, surge da necessidade de manutenção da ordem de dominação racial. O histórico disponibilizado no site da Policia militar do Espírito Santo (PMES) sobre seu surgimento confirma a tese de que a PM é oriunda da Guarda Nacional fiel ao Estado e subserviente ao sistema Colonial Escravocrata:

Para manter a ordem o governo precisava de uma força militar fiel, para isso, foi criada em 18 de agosto de 1831 a Guarda Nacional, que tinha o objetivo de defender a ordem pública e a propriedade, combater as revoltas populares e manter a escravidão. (PMES, s/n.)


Apesar do Aparelho penal do Estado ter sofrido alterações ao longo do tempo, a lógica de controle sócio - racial permanece até os dias atuais, mediante o slogan de “preservação da ordem pública”, como vimos presente em outros tempos da história. Sendo assim, observa-se que as formas de dominação se aperfeiçoaram e modernizaram. O aparato repressor do Estado continua a serviço das elites, e vem buscando uma aproximação com a população das periferias, sobre tudo do povo negro, com objetivo de controle e disciplina, a fim de mitigar qualquer movimento que venha questionar, ou por em risco o controle do Estado.

4. A Criminalização do Negro e os Reflexos na Educação

A educação aos negros após a abolição, conforme Azevedo (1987) foi restrita ao disciplinamento e neutralização da questão racial. De acordo com o percurso expostos, nota-se que não houve grandes alterações nesse quesito, as dificuldades da efetivação Lei 10.639/2003, que determina a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro – brasileira nas escolas (CAETANO; NASCIMENTO, 2012) é um exemplo que as políticas de avanço para população negra, acompanham várias limitações em seu desempenho. Entretanto, é nítido também, que enquanto as políticas públicas e de ação afirmativa apresentam limites em sua implementação o Estado penal orientado para aos negros não encontram grandes obstáculos em sua concretização, alcançado o nível mais ínfimo da sociedade.
Sendo assim, como explicita Moura (1988) o processo de modernização no Brasil, ocorreu sem mudança social, em que os negros escravizados não foram inserido na dinâmica do capitalismo. Restando a esse seguimento fora do mercado de trabalho, sem terra, sem teto e sem acesso a educação e saúde : 

Quem atualmente ocupa as favelas, invasões, cortiços, calçadas à noite, áreas de mendicância, pardieiros, prédios abandonados, albergues, aproveitadores de resto de comida, e por extensão marginais, delinquente, ladrões contra o patrimônio, baixas prostitutas, lumpens, desempregados, horistas de empresas multinacionais, desempregadas, alcoólatras, assaltantes, portadores de neuroses das grandes cidades, malandros e desinteressados no trabalho, encontram –se em estado de semi- anomia. (MOURA, 1988, p. 9) 


A malha penal, portanto, inova-se a fim de conter as consequências de um desenvolvimento socialmente e racialmente desigual. Uma das estratégias eficaz foi à criminalização da pobreza, através da vigilância, cerceamento da ”liberdade” e eliminando alguns pobres, estes oriundos do povo negro. Portanto, a ascensão do Estado penal desde a era colonial ao mundo moderno foi, e é essencial para garantia da ordem burguesa estrutural e institucional racista. Trazendo o “castigo” e a vigilância como solução para questão sócio – racial.

O sistema penal da Republica já nasce pontificado pela sua eficácia estrutural com repressor da criminalidade; seus objetivos ocultos, ideológicos, eram configuradores e seletivos quanto as ilegalidaes populares. A ideologia do trabalho, neste processo de ideologização, desempenho uma função importante nos discursos jurídicos.(BATISTA, 2003, p. 59)


Tais questões se intensificam com a ascensão do neoliberalismo, em que direitos sociais que historicamente foram negados ganham roupagem de estimulação a ociosidade e preguiça (IAMAMOTO, 2009). Renova-se assim, as práticas de imobilismo racial, e os obstáculos encontrados por negros para inserir-se na engrenagem do sistema. Ou, seja o capitalismo se apropriou e inovou as desigualdades da era colonial, sendo também inerentes a esse sistema.
“A criminalização do modo de vida da população negra ganha novo folego seguindo com as principais balizas da intervenção penal” (FLAUZINA, 2006, p. 85). De acordo com Flauzina (2006), o projeto liberal tornou-se projeto policial direcionado a vigilância e controle cada vez mais incisivo do modo de vida negro. A focalização mais modernizada da política penal, aos guetos negros, tem bases na “Guerra as Drogas”, convertida em uma guerra contra o pobre, calcada na formação de um país estruturalmente racista. Segundo Waccquant (2007) a “guerra às drogas” corresponde a um fenômeno mundial responsável pelo encarceramento em massa de negros oriundos das periferias urbanas. No Brasil, a política de combate a drogas inicia-se durante o
desenvolvimento de sua industrialização em meado da década de 1920 (MACHADO; BOARINI, 2013), postergado até dias atuais.
A forte influência dos Estados Unidos na onda neoliberal foi significante para extensão da malha penal no Brasil. Neste sentido, Wacquant (2007) ao analisar a gestão da miséria dos Estados Unidos através da penalização dos pobres em Punir os Pobres: A nova gestão da miséria nos Estados Unidos, em especial, o gueto negro, traz importantes contribuição para compreendermos a lógica de exaltação dos mecanismo repressores.

O desdobramento dessa política estatal de criminalização das consequencias da pobreza patrocinada pelo Estado opera de acordor com duas modalidades principais. A primeira, e menos visível, salvo para o diretemente afetados por ela. Consiste em reorganizar os serviços sociais em instrumento de vigilância e controle das categorias indóceis à nova ordem econômica e moral. (WACQUANT, 2007, p. 211)


O Estado Penal além de significar coerção aos seguimentos subalternizados, para exercer de forma mais ampla e eficaz controle dessa população, assume também o papel de mediador de conflitos e pedagógicos, através da inserção de Militares na Educação e a atuação juntos aos estudantes, corpo profissional e as famílias (ZANELLA, 2015). Visa assim, aproximar-se cada vez mais das periferias exercendo uma vigilância de uma forma mais sutil, influenciando assim na subjetividade dos sujeitos.

Este investimento político do corpo está ligado, segundo relações complexas e recíprocas, à sua utilização econômica; é, numa boa proporção, como força de produção que o corpo é investido por relações de poder e de dominação; mas em compensação sua constituição como força de trabalho só é possível se ele está preso num sistema de sujeição (onde a necessidade é também um instrumento político cuidadosamente organizado, calculado e utilizado); o corpo só se torna força útil se é ao mesmo tempo corpo produtivo e corpo submisso. Essa sujeição não é obtida só pelos instrumentos da violência ou da ideologia; pode muito bem ser direta, física, usar a força contra a força, agir sobre elementos materiais sem no entanto ser violenta; pode ser calculada, organizada, tecnicamente pensada, pode ser sutil, não fazer uso de armas nem do terror, e no entanto continuar a ser de ordem física.(FOUCAULT, 1977, p. 29)

5. Intervenção Militar na Educação

Através de parcerias, por meio das Secretárias de Educação e Secretarias de Segurança Pública, são estabelecidos convênios entre as escolas e Policia Militar, no intuito de proporcionarem estreitamento de relações dessas instituições (PM-ES, s/n).Por meio
desses convênios surgem as chamadas Patrulhas Escolares, que constituem em duplas de policiais de ambos os sexos, devidamente caracterizadas, responsáveis por fazer o acompanhamento de escolas públicas das periferias urbanas, com objetivo de prevenir o processo de repressão de crimes e atos infracionais, conforme explicita Silva (2010). Ainda, segundo o autor, as Patrulhas Escolares, são direcionado as escolas de bairros marginalizados, e consequentemente com maior presença de negros. Os professores então se comprometem com a política de controle dessa população, como aponta Wacquant (2007):

Com o auxilio da caixa de ressonância das mídias, essa “explosão” de “violência” serve para justificar a parceria escola- polícia” que originalmente a gerou e o comprometimento do corpo docente dos bairros decadentes da periferia urbana nas missões de vigilância e repressão da policia. (WACQUANT, 2007, p. 71)


Observa-se, que por meio dessa intervenção nas escolas, soma-se a figura coercitiva da Polícia Militar ao carater pedagógico, em que atua no disciplinamento das massas. Cabendo, inclusive, a patrulha escolar desenvolver atividades educativas com alunos e seus responsáveis, assim como, mediar conflitos dentro da instituição (SILVA, 2010).
Em 2014 a Patrulha Escolar no Espírito Santo desenvolveu atividades como Patrulha da Alegria, que teve a proposta de interação entre a Policia Militar e a comunidade que esteve inserida; realizaram palestra com os alunos e com os pais; e atuaram também na mediação de conflitos entre os alunos, de acordo PMES (s/n).  Outra forma de inserção de Militares nas Escolas, foi através do Programa Educacional de Resistência às Drogas – PROERD, implantado no Brasil em 1992 pela Polícia Militar do Rio de Janeiro, sendo este adaptação do Drug Abuse ResistenceEducation - D.A.R.E, criado nos Estados Unidos[2]. Este programa tem o objetivo dispor de Policiais Militares nas escolas para instruir os alunos a uma política antidrogas:

Isto é, sua orientação vai de encontro à política proibicionista e nas medidas de abstinência, busca ensinar as crianças a resistirem a situações que as coloquem em contato com substâncias, bem como, situações de violência e pressão psicológica. (DUARTE; FRANÇA; DE SOUZA; SCARDUA, 2016, p. 5) 

Programa como o PROERD e a Patrulha Escolar em que acrescenta na figura militar o papel de educador são mais uma forma encontrada pelo Estado de criminalizar e estigmatizar os negros, através de uma leitura acrítica de várias expressões da Questão Social que trabalham. Segundo Duarte; França; De Souza; Scardua (2016), o PROERD incentiva os alunos a se afastarem de usuários de drogas, ou de quem comete delitos, através de um viés simplesmente moralista, contrastando assim, diretamente com a realidade do seu público, quando se trata de escolas públicas em bairros decadentes, essencialmente, quando falamos do povo negro, considerando que a marginalização é fruto de um processo estrutural e histórico, em que os negros ainda hoje são expoentes nos bolsões de pobreza do País.
Nota-se, assim, que o Estado tem ampliado seu braço penal, inclusive, nos nível básico de ensino, visando trabalhar a subjetividade população negra e periférica, através da disciplina e imposição dos valores burgueses, para “garantia da ordem”. E paralelamente, cansensua-se a criminalização da pobreza e sua consequência via ensino, por meio da culpabilização dos sujeitos que destoam da moral dominante. O Estado ao acoplar a Polícia Militar a ensino, não tem o intuito de promover a educação, mas reforça uma cultura de obediência (SILVA, 2010). Verifica-se uma busca do aparelho penal por uma relação mais harmoniosa com as periferias através da escola, a fim de canalizar os conflitos, consensuar uma imagem satisfatória do Estado penal, através da subordinação ideológica de forma que não toque apenas os corpos (FOUCAULT, 1977).
Importante frisar que, na maioria das vezes as comunidades onde se faz presente o Estado Penal, a uma ausência de Políticas Públicas. Principalmente com o enxugamento cada vez maior do Estado social, promovido pela ideologia neoliberal. Desse modo, os aparatos penal torna-se uma das formas mais presente de sua representação para a população negra oriunda das periferias.

Esse setores vulneráveis, ontem escravos, hoje massas marginais urbanas só conhecem a cidadania pelo seu avesso, na trincheira auto - defensiva da opressão dos organismos do nosso sistema penal.(BATISTA, 2003, p. 57)


Como afirma (SILVA, 2010) a inserção da polícia militar nas escolas, principalmente quando retomamos ao seu histórico desde a formação no Brasil, nos possibilita compreender que há um “comportamento que deve ser controlado”. Pode-se acrescentar na analise do autor, a partir do que foi explicitado, que tal comportamento pertence
prioritariamente ao modo de vida da população negra das periferias, sendo, estes os principais “beneficiários” e quase exclusivos do “zelo” policial e da generosidade penal recente do Estado (WACQUANT, 2007).
Entretanto, a partir das reivindicações do movimento negro, foi criada uma estratégia para estimular o debate racial durante a formação escolar da população brasileira que acessa a rede pública e privada de ensino. Sendo uma ferramenta que poderia ser usada também para desmascarar as relações racistas no ambiente escolar. Além de desconstruir a história mentirosa que é contada sobre o passado do povo negro e a formação do Brasil. Ou seja, a modificação da Lei 9.394/1996 para a Lei 10.639/2003[3] é um desses exemplos, caso fosse realmente implantada poderia ser um dos caminhos para avançarmos na luta contra o racismo no ambiente escolar, e consequentemente em outras áreas da vida humana.

O currículo oficial brasileiro possui referencial europeu em sua constituição, o que nos leva a analisar que, todos nós, cada um em seu momento escolar, dedica-se ao estudo da colonização da América, das grandes guerras mundiais, da guerra fria, Napoleão, Hitler, Mussolini, continente europeu, asiático etc, mas ignora a formação do povo brasileiro em si, diante do silêncio acerca da História e Cultura da África e História Indígena. (BARRETO; RODRIGUES; SISS, 2013, p.37)


Condicionar também ao negro o direito de apropriar-se de sua história pode ser uma das formas de empoderar um povo contra o atual contexto social de neocolonização que tem sido reformulado de modo ainda mais severo. Ora, no que estamos nos referindo como, ambiente familiar preserva “o ritual pedagógico do silêncio”, que ao longo da história tem ocultado dos currículos escolares a história de luta dos negros na sociedade brasileira e no mundo. O que favorecer o controle desta população, em que os prestígios históricos são dados aos brancos e as forças armadas.
As relações racistas dentro do ambiente escolar também representam outra forma excludente de manter o negro afastado desse meio, como a Cavalleiro (2012) apresenta que os profissionais de ensino mesmo de forma indireta ou até mesmo direta como em muitos casos, “não se sentem responsáveis pela manutenção, indução ou propagação do preconceito”, mas os mesmos, culpabilizam as vítimas por enfrentarem essa situação.
Assim, mais uma vez na história, o negro é imputado por ter que enfrentar cotidianamente o racismo.
Ainda segundo Cavalleiro, o racismo enfrentado pelo negro é um dos motivos para a evasão escolar. A escola que teria como objetivo representar um espaço de fortalecimento contra o genocídio tem sido por diversas razões um reformulador da opressão racial, entre elas o racismo dos colegas de classe e professores brancos o motivo pelo qual o negro é cobrado a ser “duas vezes melhor”.

A escola, penso representa um espaço que não pertence, de fato, a criança negra, pois não há sequer um indício de sua inclusão, exceto a sua presença física. Ali, ela é destruída de seus desejos e necessidades específicos: reconhecimento da sua existência e aceitação como indivíduo negro, provimento de alternativas que lhes possibilitem um sonhar com futuro digno. (CAVALLEIRO, 2012, p. 100)


6. Conclusão

Ao longo da história foram construídos caminhos que resultassem em ciclo vicioso de fracasso nas famílias negras. A mesma de acordo com o exposto vem sendo condicionada a acessar as piores formas de reprodução da vida humana. As políticas voltadas para população negra, como vimos tem sido prioritariamente a de penalização da vida, em que estas são culpabilizadas pelos seus sucessos e insucessos, de modo a desconsiderar as barreiras que foram erguidas para impedir a sua inserção, tanto durante a era colonial, como no período de modernização e consolidação do capitalismo no Brasil, segundo Moura (1988) uma modernização que não houve mudança social. O capitalismo no Brasil foi uma nova roupagem para manutenção da estrutura de castas. Os negros, então, são o fragmento da classe trabalhadora mais atingida, pelas contradições e crises do capital. A falta de acesso à educação, junto a baixa qualificação, os torna, ou melhor, os mantem possuidores da mão de obra mais barata. Tal questão é de interesses das Elites, pois estes formam um aglomerado de trabalhadores sobrantes, podendo os patrões realizar o recrutamento tranquilamente e os substituindo sempre achar necessário (WACQUANT, 2007).
A alfabetização dos negros e a intervenção militar nas escolas, pode ser entendida como mais um das estratégias das classes dominantes de garantir controle desta população, pois ao manter um povo sem os conhecimentos letrados é possível limitar sua participação política, econômica, social e cultural. Junto à inserção da figura do
policial também como educador garante-se também o ideal de ordem pública, como a segurança da propriedade privada, por meio do controle físico e simbólico dos corpos negros.
As políticas de policiamento escolar em detrimento das políticas educacionais não visam à promoção da educação, mas, sobretudo o controle. A intenção da ampliação do espaço de atuação dos ostensivos penal para além das ruas, principalmente sem qualquer mudança positiva na vida da população negra, neste sentido, não é de promover educação ou sua segurança, mas ao contrário, se com as periferias repletas de policiais os que estão se garantindo é o aumento condutas ilícitas e consequentemente maiores repressão e encaminhamento aos judiciários, como afirma Waccquant (2007). Essa interação promovida por programas como PROERD e Patrulha escolar, reafirmam vários estereótipos, estigmatização e perpetuação da criminalização do modo de vida negra.
O projeto de educação que substancia o analfabetismo negro e de militarização escolar voltado a esse público, além de reforçar os aspectos apontados, podem influir na imagem que o próprio negro tem de si, do espaço em que vive e de suas relações, através de uma analise acrítica e histórica da realidade. Tais elementos contribuem para uma busca, muitas vezes frustrante, do ideal branco e hegemônico, pois os negros tem contra si toda estrutura de controle do estado. Desta forma, a efetivação da 10.639/2003 seria um avanço para os negros, que teriam direito ao acesso a suas histórias, desmistificando assim o ideal de branqueamento e o mito da democracia racial.


REFERÊNCIAS

DE AZEVEDO, Celia Maria Marinho. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites--século XIX (Vol. 6). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis ganhos fáceis: drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Instituto Carioca de Criminologia, 2003.
CAETANO, Altair; NASCIMENTO, Luciana Guimarães. As “Pedras no Caminho” da Lei 10.639/03: um panorama após oito anos de promulgação. Revista Eletrônica de Ciências da Educação, v. 10, n. 2, 2012.
FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro. 2006. Tese de Doutorado. Dissertação (Mestrado)–Coordenação de Pós-Graduação em Direito, Faculdade de Direito, Universidade de Brasília, Brasília.
CASTRO, Cátia Ronsani. A Patrulha escolar comunitária (PEC) como expressão de política de segurança pública brasileira da crise estrutural do capital. 2014. Dissertação de Mestrado. Cascavel Centro de Educação, Comunicação e Artes Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu Em Educação Nível de Mestrado. Área De Concentração: Sociedade, Estado e Educação. Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Paraná.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. trad. Raquel Ramalhete, v. 34, 1977.
IAMAMOTO, Marilda Vilela. O Serviço Social na cena contemporânea. Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, p. 15-50, 2009..
MACHADO, Letícia Vier, BOARINI,Lúcia Boarini. Políticas Sobre Drogas:a Estratégia de Redução de Danos. Psicologia: Ciência e Profissão, pp. 580-595, 2013.
MOURA, Clovis. Socioloia do Negro Brasileiro. São Paulo: Ática S.A.1988.
SILVA, Rafael Braz da. Educação e controle social. 2010. Dissertação de Mestrado. Coordenação de Pós-Graduação em Sociologia, Departamento de Ciências Sociais, Universidade Federal do Paraná.
WACQUANT, Loïc. Punir os Pobres: A nova gestão da miséria nos Estados Unidos [A Onda Punitiva]. Tradução de Sérgio Lamarão. Revista e ampliada. Rio de Janeiro: Revan, 2SILVA, Rafael Braz da. Educação e controle social. 2007.
História da Policia Militar do Espírito Santo disponível em: <http://www.pm.es.gov.br/institucional/historia.aspx> Acesso em: 01 de mar. 2017.
ZANELLA, Maria Nilvane. Adolescente em conflito com a lei e escola: uma relação possível?. Revista Brasileira Adolescência e Conflitualidade, n. 3, 2015.
BEHRING, Elaine Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. Política Social fundamentos e história. 9. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2013.
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA - CASA CIVÍL - SUBCHEFIA PARA ASSUNTOS JURÍDICOS. Lei nº 10.639/03, de 09 de janeiro de 2003. Lei no 10.639, de 9 de Janeiro de 2003. Brasília, DF, 09 jan. 2003. p. 1-1. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm>. Acesso em: 10 fev. 2017.
GONÇALVES, Luiz Alberto Oliveira. O silêncio: um ritual pedagógico a favor da discriminação racial. Dissertação de mestrado. Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, 1985.
CAVALLEIRO, Eliane dos Santos. Do Silêncio do Lar ao Silêncio Escolar: racismo, preconceito e discriminação na educação infantil. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2012.
BRASIL. Constituição (1854). Lei nº 1331, de 1854. Couto Ferraz. Brasil.
NASCIMENTO, Abdias. O Quilombismo. 2. ed. Brasília: Or, 2002. 281 p. (Fundação Cultural Palmares).
BARRETO, Maria Aparecida Santos Corrêa; RODRIGUES, Alexsandro; SISS, Ahyas. Africanidades: produções identitárias e políticas culturais. Vitória: EDUFES, 2013.


[1] As imagens decorrentes desta postura otimista em relação ao futuro de um país em que predominariam descendentes de europeus deixam a impressão de um espécie de paraíso racial brasileiro, onde a miscigenação embranquecedora ocorria e continuaria a ocorrer livre e fartamente, sem quaisquer restrições (legais ou de costumes) e em todas as camadas socais.

[2] Em 1983 o Departamento de Polícia de Los Angeles promoveu um movimento de discussão acerca do uso abusivo de drogas e das condutas criminosas relacionadas a ela que atingiam fortemente a sociedade norte-americana, surgindo então o D.A.R.E, que de acordo com a ONG intitulada DARE América, o programa atualmente é implantado em 49 países. (D.A.R.E., s/n citado por DUARTE; FRANÇA; DE SOUZA; SCARDUA, 2016)

[3] "Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira." (PRESIDÊNCIA DA REPUBLICA, 2003, s/n)




[i] Graduanda do Curso de Serviço Social na Universidade Federal do Espírito Santo - UFES e bolsista do Programa de Educação Tutorial de Serviço Social.
[ii] Graduanda do Curso de Serviço Social na Universidade Federal do Espírito Santo, militante do movimento negro e bolsista do Programa de Educação Tutorial de Serviço Social.

quinta-feira, 4 de maio de 2017

RACISMO: UM MAL ESTAR PSÍQUICO


RACISMO: UM MAL-ESTAR PSÍQUICO
ANGELA BARAF PODKAMENI E MARCO ANTONIO CHAGAS GUIMARÃ
           
Por: Francine Alves[i]

A escolha de abordar esse tema é mostrar como a saúde psíquica do povo negro é bastante afetada pelas questões raciais. O tema é de extrema importância, mas é pouco discutido. Apesar de que as doenças sofridas pelos negros sejam, em sua grande maioria, as mesmas sofridas por toda a população, possuem diferenças no seu contexto histórico. Contexto histórico esse que envolve a escravidão, preconceitos, traumas, psicoses, racismo, negação de direitos, exclusão.
O texto escolhido descreve alguns relatos de um homem negro que procurava formas de lidar com alguns traumas que ele possuía traumas que muitas outras pessoas negras também possuem, mas que não procuram meios de tentar compreender esses problemas, ou de tratar eventuais casos, não porque não querem, mas por já está naturalizado que quem sofre de depressão, psicoses, entre outros traumas mentais, são pessoas que não possuem problemas cotidianos, que não tem do que reclamar, ou seja, aquele velho ditado “Depressão é coisa de gente rica” e como a maioria da população pobre brasileira é formada por negros, e esses possuem muitos problemas diários, então, para a sociedade, esses indivíduos não dispõem de tempo para adquirir eventuais problemas.
            É com essas formas mascaradas de racismo, que a saúde mental e emocional do negro esta sendo extremamente ignorada, negligenciada, e isso é muito nocivo, porque mascara o sofrimento legítimo de muitas pessoas. O povo negro já sofre com o processo de exclusão pela condição financeira baixa, e vem o racismo e acaba potencializando o sofrimento dessas pessoas. A exclusão social, a discriminação, destrói qualquer autoestima, causam desespero, tristezas, acabam com motivação de vida, a esperança, levando a diversos outros problemas sociais, como a dependência química, sejam elas drogas ilícitas, álcool e outros problemas cotidianos; e passar por todos esses transtornos psicológicos sem receber nenhum auxílio, não é o mais grave, o mais grave é passar por isso tudo sem receber auxilio porque é considerado pela sociedade que essas pessoas não têm porquê sofrer esses atritos emocionais e mentais. Não ter nenhuma ajuda, desmotiva qualquer pessoa a resistir e lutar para sair ou superar as situações de subalternidade que lhe foi imposta.
            Por essas questões, foi escolhido esse tema para elaborar o referente trabalho acadêmico, com base no texto “Racismo: um mal-estar psíquico” e discutir que a saúde mental e emocional do povo negro é importante sim, e que esse povo é o que mais sofre com esses problemas.
         No texto base, é mostrado como a saúde metal do negro brasileiro é afetada sem nem mesmo quem sofre com isso perceber. Em uma das vivências contadas pelo paciente, ele fala do tempo da escola, da dificuldade que ele e outro colega “mais preto que ele” tinha em levantar a mão para tirar dúvidas com o professor: “(...) Quanto mais a pele era escura, mais sentia um distanciamento. Me sentia isolado, com um silêncio maior. Meu colega não acabou o primário.”(p. 227). Com esse trecho de sua fala, é nítido como a saúde psíquica dos negros vem sendo destruída desde crianças, ao ponto de levar elas a não terminarem os estudos.
O racismo no Brasil, de acordo com Abdias do Nascimento, é caracterizado pela covardia, ou seja, ele não se assume e por isso não tem culpa e nem autocritica. É considerado sutil, mas para o autor o racismo não tem nada de sutil, pois para quem não quer se iludir está escancarado no olhar mais casual e superficial. Então, é muito triste pensar que esses transtornos mentais assola o povo negro desde crianças, pode se dizer que até mesmo antes de nascer, quando ainda não se sabe totalmente sobre tudo que ocorre na sociedade, é sofrer sem ao menos saber o porquê, ao mesmo tempo ter a sensação de que alguma coisa ruim esta acontecendo ou algo errado, sendo transmitido pelos sentimentos da mãe. E já começa dali a não ter uma visão positiva sobre quem você é, causando profundos danos na formação de sua identidade.
            As mulheres e homens negros encontram-se em um contexto extremamente desfavorável, em que a permanência excessiva da discriminação racial torna muito mais fácil deles se enxergarem negativamente, por conta disso, é muito difícil eles conseguirem manter a sua autoestima em um nível saudável, além de prejudicar a percepção de si mesmo como indivíduo com relevância e valor social, o racismo também dificulta a participação em atividades sociais importantes. A maioria dos negros não conseguem empregos, profissões, moradias de qualidades, e essas dificuldades apontadas causam assim, os problemas emocionais e psicológicos, porque o ideal para o bem estar do ser humano é pertencer a uma comunidade, ser bem visto dentro dela e manter laços sociais.
A sociedade precisa entender que os preconceitos afetam as subjetividades, acarretando em possíveis problemas psicológicos, como depressão, desmotivação. Segundo Sawaia, define sofrimento ético-politíco como a experiência emocional de quem se vê impedido de se expressar, por estar habilitado a sofrer qualquer tipo de exclusão, ela diz:

(...) é a dor mediada pelas injustiças sociais. É o sofrimento de estar submetida à fome e à opressão, e pode não ser sentido como dor por muitos (...). Por serem sociais, as emoções são fenômenos históricos, cujo conteúdo e qualidade estão sempre em constituição. Cada momento histórico prioriza uma ou mais emoções como estratégias de controle e coerção social. (Sawaia, 2008:102)


Um exemplo que pode ser citado para mostrar que as doenças psíquicas são derivadas de situações históricas e sociais, e não podem nunca ser desvinculada desse fator, e vem desde o regime da escravidão, é a doença conhecida como banzo que nunca foi nitidamente explicada, mas que matou inúmeros negros, entre mulheres, homens, e inclusive crianças. Os negros entravam em estado de profunda melancolia, com um forte sentimento de saudade de sua terra natal, e de acordo com alguns autores, poderia ser considerado como depressão.
            Mas pensando bem, é bem difícil ou vai ser bem difícil da sociedade entender que os negros também sofrem de problemas psíquicos como qualquer outra pessoa, e em minha opinião, isso ocorre porque para reconhecer esses transtornos emocionais, primeiro é necessário reconhecer que sofremos com a discriminação, com a exclusão. É necessário que a sociedade reconheça que existe racismo. É necessário reconhecer que a sociedade é racista, pois ela permite que alguns tenham acesso a benefícios sociais a partir da exclusão de outros, e enquanto se negar ou tentar encobrir o racismo, os negros continuarão sofrendo sozinho, pois não se tem nem a “liberdade” ou direito de dizer que é possível sim e real o negro ter traumas, é uma coisa nítida, pois essas pessoas viveram anos de exploração, anos de desigualdades, exclusão, discriminação, e ainda sim, ser legitimado que não sofremos.
Como não? Como não ficar abalado emocionalmente, mentalmente com todo esse massacre? Será mesmo que a sociedade não percebe como o racismo mata? Sofremos com situações que são consideradas “pequenas”, como: um olhar estranho nas ruas, ser seguido por seguranças em lojas, pessoas trocarem de ruas pra não passar perto de você; para quem não sofre com o racismo pode não ser nada demais mesmo, mas só quem realmente é negro sabe como dói, sabe como afeta, e ainda ouvir aquela frase: “Você está vendo coisa onde não tem”, “Não se faça de vítima”. Mas ele acontece, seja de forma mais velada, ou de forma mais explícita. Temos que acabar com essa cultura no Brasil, do opressor gritar e o oprimido ficar calado se sentido errado. O racismo deve ser compreendido como uma manifestação sociocultural, esquematizada, que dispõem de privilégio as pessoas brancas, enquanto as negras são subalternizadas.
E não adianta negar a raça biologicamente, e nem conversas de que “somos todos iguais, somos todos mestiços, não tem porque, não tem como existir racismo”, porque se sabe (ou deveria assumir) que o racismo no Brasil é caracterizado por questões fenotípicas. Mas para os racistas é bastante cômodo negar a raça, e defender a ideia da consciência humana, pois elas pertencem ao grupo étnico que por séculos foram às únicas com direitos a serem reconhecidas como seres humanos. Como diz Carlos Moore:

A raça existe de forma concreta e prática como marcador social/estrutural. É uma realidade social definidora que regula as relações políticas, sociais, econômicas e culturais entre os grupos humanos, que ostentam entre si características fenotípicas diferentes. Não se fundamenta nos marcadores biológicos, mas nos fenotípicos. Ou seja, nos marcadores visíveis e tangíveis por meio dos quais os seres humanos hierarquizam-se, valorizam-se ou estigmatizam-se racialmente. De forma que argumentar que o racismo não existe porque a “raça” não existe biologicamente é contribuir para a continuidade de toda uma série de mistificações criadas pelos próprios racistas.” (Moore, 2011, p. 04)



                O problema se torna mais difícil ainda de ser tratado, por conta também da adaptação ao sofrimento do outro, e principalmente quando o outro quase que não é visto como ser humano. O racismo nos atinge de várias formas, é um massacre diário, e ainda levar a culpa por ter sofrido racismo, pois quem comete racismo acha que a culpa é da vitima, que pode ser taxada também de complexada, além de destruir a consciência dos brasileiros sobre as questões raciais, fortalece e levanta barreiras difíceis de ultrapassar, faz com que os cidadãos se tornem insensíveis com a dor do outro, nesse caso os excluídos e marginalizados. Todos aqueles que são privilegiados pelas ações racistas, sempre chamará de “vitimistas” aqueles que são prejudicados por essas ações. O racismo tem que ser enfrentado, tem que ser pautado, apontado, discutido, pois creio que sem a luta contra o racismo não tem como existir uma saúde mental positiva para os negros. É necessário acabar com essa popularização do sofrimento dos outros, temos que buscar medidas para que as pessoas consigam cuidar de suas mentes, porque até hoje isso é privilégio de poucos.
            Em outro trecho do texto base, o paciente faz um relato sobre como ele se sentia com relação a ser negro, ele se sentia estranho, como se ele não fizesse diferença no meio em que ele vive, em sua fala:

“Ser negro, muitas vezes, me causou uma sensação de estranheza. É uma sensação como se estivesse vivendo, mas não estivesse existindo. Tinha dificuldade de ver isso. Com a análise é que tenho resgatado isso. Tenho resgatado também memórias. Também vou resgatando coisas que eu não lembrava quando leio romances que tratam de questões raciais. Era como se tivesse apagado. Como se eu estivesse num sono e que fosse acordando. Como se não quisesse dar conta daquilo [...]” (p. 227)


                Um problema social, histórico faz com que pessoas não se sintam como “pessoas normais ou comuns”, pois várias delas em alguns momentos de sua vida deve se sentir como ele. Fica escancarado, como essas pessoas precisam de auxilio psicológico, pois chegar a um ponto em que ela se sinta estranha com relação a outras pessoas, não se reconhecer, é uma questão muito complicada. Não se reconhecer dói, sofremos com isso, só quem já passou por essas situações entende, é uma sensação difícil de descrever; como ele fala: “ter a sensação de estar vivendo, mas não existir”, é muito grave. E ele afirma que começou a perceber e resgatar suas memórias quando conheceu a análise, basicamente outra confirmação de que os auxílios são necessários e estava fazendo efeito na vida dele.
            Em virtude do que foi mencionado, nota-se que o principal fator para não ser reconhecido o mal-estar psíquico dos negros é a negação da existência do racismo. Durante mais ou menos 70% do tempo de existência do Brasil, os negros foram tratados como animais, e mesmo assim ainda existem pessoas, as que sentem seus privilégios ameaçados, que acreditam (ou fingem acreditar) que isso não afetou e não afeta em nada a questão social e econômica dos negros. Então, é importante que busquem mecanismos que de alguma forma mude essas visões, reconheça que os negros possuem sentimentos e sofrem muito mais que as outras pessoas e o contexto histórico (escravidão, preconceitos, traumas, psicoses, racismo, negação de direitos, exclusão) esta para provar, e que nós negros devemos prestar mais atenção em nós mesmo, se solidarizando com a dor do outro, que sejamos mais nós por nós, mais protetores, pois se não juntarmos forças e ajudarmos uns aos outros, não serão os privilegiados que fará isso!
            Então, devemos defender que os negros precisam de apoio psicológico sim, e seria bem interessante que buscássemos mais auxílios de profissionais negros, pois só nós sabemos o quanto se sofre com o racismo, não querendo dizer que um profissional branco não irá “ajudar”, mas é óbvio que pessoas não negras não experimentam as mesmas vivências racistas que os negros sofrem, podendo deslegitimar o discurso de um paciente negro, causando assim sofrimentos maiores.
Um psicólogo, um analista negro conseguirá ouvir e acolher melhor seus problemas, fazendo até o negro se sentir reconhecido, representado, porque eles terão mais facilidade de entender nossas queixas, nossas dores, que por muitas outras pessoas são ignoradas. Por fim, essa reflexão é bastante válida para que se pare de invisibilizar essa violência psicológica que atacam os negros e negras, que possamos aprofundarmos nos auxílios terapêuticos para o povo negro e que não coloquem o sofrimento decorrente do racismo como um exagero.







Referências:

ARRAES, Jarid. Saúde Mental da População Negra. 19 dez, 2013 Disponível: blogueirasnegras.org/2013/12/19/saúde-mental-populacao-negra/. Acesso em: 31 mar. 2017.

GUIMARÃES, Marco Antonio Chagas; PODKAMENI, Angela Baraf. Racismo:um mal-estar psíquico. In: Saúde da população negra. 2º edição, 2012. Brasília: Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, p. 328

LAGES, Sônia Regina Corrêa. et al. Pesquisas em Psicologia Social no campo da Saúde da População Negra no Brasil. Universidade Federal de Minas Gerais.

SAWAIA, B.. (2008). O sofrimento ético-político como categoria de análise da dialética exclusão/inclusão. In: SAWAIA, B.Organizadora. As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. Coleção Psicologia Social. 8ª edição. Editora Vozes Ltda. Petrópolis, RJ, p.97-118.

WEDDERBURN, Carlos Moore. A humanidade contra si mesma para uma nova interpretação epistemológica do racismo e de seu papel estruturante na história e no mundo Contemporâneo. Artigo apresentado no “II Fórum Internacional Afro-colombiano”. Bogotá, 18 de Maio de 2011.



[i]  Estudante do curso de Ciências Sociais pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB, no Centro de Artes Humanidades e Letra - CAHL em Cachoeira - Ba, militante do Núcleo de Negras e Negros Akofena.